19 outubro 2008

O Francês e o Passarinho

Um homem francês, de cabelo bem feito e roupa bem alfaiatada,
falou na língua bonita que é a francesa:
"L’homme est bon, c’est la société qui le corrompt".
Dicionário e...confusão...!
Me explica então, Senhor Rousseau,
quem corrompeu a sociedade se o homem nasceu sempre bom?
O passarinho preto de peito branco que canta no meu telhado
nasceu bom, mas não o sabe, apenas é.
Porque não há nada que ele possa pensar de ruim.
Se ele come o bichinho na terra, não é porque seja mau,
mas porque essa é simplesmente a sua natureza.
Se eu pensasse que ele é mau por comer minhocas é
porque eu penso, e pensar me faz classificar
as coisas como boas ou más.
E se eu pensasse assim, eu que como outros bichos,
teria de admitir que sou também um ser mau?!
Mas não sou! Ou sou e não o quero ser, ou sou e não o sei!
Pode ser até que eu cause algum mal, e causo...
Mas isso é um causo longo ou é só uma questão de ponto de vista.
Daqui de onde eu vejo, dessa janela com vista pro verde,
o passarinho é bom e eu também.
Daqui eu não penso no quanto os homens podem ser maus
e até brinco de acreditar no filósofo francês...
Mas vem logo outro a me baralhar as idéias:
"L'enfer, c'est les autres".
E o outro para o outro sou eu?
O inferno somos nós mesmos?
Penso, logo complico.
O passarinho preto de peito branco que canta no meu telhado
não pensa nisso e é bom. Não pensa e existe.
E eu que penso, desisto.
O passarinho canta e é bom.
Eu canto!
(-"Comme un oiseau sans cage, libre et sauvage...")

Clarisse Lourenço

17 outubro 2008

Ensina-me



O que eu já sou hoje e o meu tempo amanhã

E soma-se ao meu dia itinerante e febril

Daquele seu modo atemporal e viril

Que faz alçar o mais alto passado em minha mente sã

Ensina-me a querer-te mais que um plural

Ainda por cima desejar-te entre os dentes

Naquela desconjuntura carnal

Fazendo-me de seus olhos a alegria rente

Ensina-me o tudo do seu verso, contudo

Não me escolha num pretérito inconsciente

Mas prepare-se para trazer-me sua vida, o fruto

Com o qual perfeito sabor das suas frases pendentes

Ensina-me a caber em suas mãos leves de toque afável

Para que assim eu saiba caber-te em meu ventre

Pousando-te livre, cabelos e fios, textura ardente

Por entre dedos meus, fazendo-te amar do jeito suportável

Ensina-me as mais diversas obras do mundo

Coloque-se por cima de mim (mostre-me mais um mundo)

Que eu tomarei de calor o que se faz por vir

E terei para lhe entregar qualquer outra parte de mim

Ensina-me o que é feito, para depois me surpreender com o belo

Convivendo comigo entre dias dormidos e noites risadas

Transformando-se em nuvem alta, para a minha pele morena

Num vento brando rodopiando em tempestades armadas

Ensina-me a encontrar-te (a encontra-me), sem luz ou tato

Somente pela boca de uma madrugada finita, inquietante

E além disso, participe dos meus aconchegantes embaraços

E cante aqueles versos que falem de lua e do sol brilhante (é, aquele amante)

Ensina-me o que for, seja isso amor

Ou qualquer outra coisa que possa trazer-me o tal sabor

Ensina-me o que tiver, ou o que quiser

A viver ou a viver, a ceder ou a me render


Ensina-me o que ainda não sabe

E o que cabe, vale, cale...

13 outubro 2008

Pranto


Estou perdida.
Embriagada.
Ensandecida e inebriada.
Fazendo poesia
pra fazer você ficar.
Morrendo todo dia
Ao te ver sem te tocar.
Eu vou te prosear
Te apoiar
E te escutar.
Talvez eu aprenda a te cercar.
Mas o espaço
Nesse abraço
É pra evitar a dor.
Como pode eu te amar tanto?
Eu vou só secar meu pranto
Pra depois morrer de amor.



Florence Guedes