12 outubro 2009

De amor e saudade


Se não escrevo mais versos
é que a vida se fez o inverso da tua poesia...
Como a corda do violão que se rompe
alta noite, em meio à inspiração
que se vai fugida...
Perdida em mim, tua canção...
E eu, devota de toda palavra
sufocada em teu sono,
me deito na sombra
das tuas dores passadas...
Me deleito no lirismo silencioso
da esperança escondida...
Meu prazer enclausurado
entre o amor e tua pele evaporada...
Imensidão de vazios,
espaços habitados pelas melodias
deixadas pra depois...
Trago a vida num suspiro engasgado,
um espasmo que dá movimento a meus passos
nessa rota deserta de versos de um poeta
que sem palavras me tocava
em suas canções tão secreta...
E exilada de teus braços, sem recanto,
inspiro no encanto de teus traços
os meus versos: eu feita de amor e saudade...

28 agosto 2009

Quem me dera...

Ah! Quem me dera, poeta
Que eu tivesse guardada a pétala
Do teu sorriso de adeus…

Que tivesse na minha respiração
O perfume daquela canção
Colhida nos lábios teus…

Que tivesse as cores pintadas
Das tuas palavras caladas
Na esperança dos olhos meus…!

Ah! Quem me dera, querido
Que fosse o teu colo esconderijo
Para o meu segredo de te amar…

Que fosse meu céu o teu corpo
Estrelado, teu canto, recanto
E eu ainda pudesse sonhar…

Que fossem os teus braços, poeta
E não essa coisa o que me aperta
Tão forte sem me abraçar…!

(Ah! Quem me dera…)


28 junho 2009

caligrafia...




Era uma folha de papel branco. A caligrafia desenhada ao acaso preenchia-lhe grande parte do espaço. Uma poesia. Ou seria uma canção? Talvez uma tristeza que lhe tenha saltado brutalmente na delicadeza das palavras. Um ar de quem aceita, um tom de quem se revolta. Quem poderia saber? Escreveu sua dor com tanto zelo que não poupou-lhe um ritmo fácil, trovável a milhares de vozes. Concedeu-lhe a amizade incomparável da melodia. Nunca mais separaram-se. Continuaram unidas invariavelmente… Lacrimejam-lhe suas próprias letras sobre o papel. Choram-lhe seus próprios acordes. Se soubesse a dimensão que sua caligrafia tomaria, lhe teria escrito a ela a poesia? Se soubesse o desenho ferido que suas letras marcariam em sua pele, lhe teria cantado a ela a melodia? Não pensou. Há vezes em que simplesmente não se pensa em nada. Se faz e sopra ao vento. Que não sabia o que aconteceria ali mais além, logo depois. Não poderia saber. Foi assim que lhe enviou a folha de papel branco preenchida em grande parte do espaço pela caligrafia desenhada ao acaso. Recebeu com lágrima a poesia. Como uma mistura da dor e da alegria de sentir aceitação e revolta. Recebeu com lágrima a melodia. Um espanto do que causou, uma tristeza de perder de vista. Queria fossem lágrimas de volta. Queria fosse o amor encantando seus olhos. Era de despedida. Poesia e melodia. Para ela, um aceno de adeus. Uma folha de papel branco, a caligrafia desenhada ao acaso esvaziava-lhe grande parte do espaço de uma vida.

06 maio 2009

sonho com

Nelson Rodrigues um dia me disse sobre o amor, que assim como tudo, ele ia cair, o sexo ia esfriar, a dor ia sucumbir e o líquido secar. Disse ainda mais: "Tenha força para se mostrar, desejo de aprender e lágrimas para chorar. Não queira estar dentro de ninguém, querer sempre além, muito menos se encontrar". Depois dizia que tudo ia passar, o sonho se escurecer e a libido melhorar; se eu em cada vez que o olhasse, a respiração prendesse e à paixão suportasse.

[foi em sonho, direto das estrelas quentes]

10 fevereiro 2009

O mais-que-perfeito




















Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(Comum, embora...)
Ah, quem me dera ir-me!

Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te!
Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais: cuidado...
Ah, quem me dera ver-te!

Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te...




Vinicius de Moraes
Montevidéu, 01.11.1958
in Para viver um grande amor (crônicas e poemas)




_Um expresso com creme p'ra esperar os que vêm chegando, s.v.p....!
(«ai quem me dera ir-me...» suspirou ela enquanto mexia o seu cafézinho com um pauzinho de canela...!)





[Imagem: arquivo Vinicius de Moraes / Interferência: Clarisse Lourenço]





08 fevereiro 2009

C'est la vie...!




Sol, sol, sol
Que beleza tem o dia !
Todo dia ela levanta
Acorda, maçãs marcadas
Espelho, espelho meu
Um pouco de água na cara
Bom dia, pão com margarina
(que manteiga faz mal e engorda)
Iogurte de morango, cereal…
Escova, pasta, dentes… Frescor!
Roupa p’ra colocar no varal
Café p’ra acordar melhor
Passos, passos, passos
Passa a manhã
Telefones, computador
Papel, caneta, retratos
Ah, retratos…
Amor, amor, amor
Almoço
Temperado de saudade
E sonhos…
Sonhos e sobremesa
Doçura sobre a mesa
E a flor no canto
Música p’ra cantar
P’ra espantar os males
Cigarro enrolado, chá de menta
Hummm…
Banho, sabonete, toalha
Pingente de pimenta
Anéis, brincos, pentes
Cabelos, tantos fios
Óculos vermelhos
Porta-retrato no olhar
Só p’ra lembrar
Saudade, vontade, coragem
Tempo, tempo, tempo
Livro, francês, Jung
L’Amour et Psyché
Consciência
Paciência
C'est la vie...!
Amigos e café
Noite, lua, estrelas
Estrelas…
Músicas, músicos
Canta, dança
Sorri, cansa…
Tarde, muito tarde
Misticismo pré-morfeu
Come, cama
Cama…
Cabeça a mil
Pensa…
Pensamentos
Lembramentos
Devaneamentos
Esperanças
Vira p’ro lado qual criança
Efeito pós-imagem
Nos olhos já fechados
Amor, amor, amor
E adormece
E sonha…
Sonha
Sonhossszzzzz….
Lua, lua, lua
(pleine d’amour…)
Clarisse Lourenço




_Um frapuccino pra refrescar essa noite quente de verão...!



[Imagem: Claudio Partes, Manual dos Sentidos / Interferência: Clarisse Lourenço]

25 janeiro 2009


Como num quadro, teu corpo pintado
Descansado, deitado, letrado
No canto um cigarro apagado
Abat-jour que ilumina
Tua simplicidade tão minha
Telefone antigo na mesinha
Papel por todo lado
Ali ao acaso
Teus dedos no ocaso
Já riscados pelo tempo ido
Pelo que foi e o que vem vindo
Esse ar de já vivido
E podia ser num quintal
Teus quintanares, um varal
Cores, flores, bichos, nenhum mal
Nada que se rasure do papel
Dessa tela, aquele céu
Na janela um véu
Cortina de renda
Pode ter sido uma prenda
Da tia da venda
Ou lá do Ceará
Por que será
Mário, quem lerá
Teus versos tão meus
Aqueles cantos teus
Esses nossos tantos eus
Quem comigo irá ver
As luas de morrer
De se perder
Pra se encontrar
E depois ficar
Com preguiça e amar
Nesse quadro de cama
Meu caro Quintana
A vida nos declama
Simplesmente!

Clarisse Lourenço



24 dezembro 2008

a menina dança



...porque seus dedos deslizam pela atmosfera livre com o vento, tomando de sedução o ar em cada canto, numa alegria inebriante de desalentos, num universo de encanto e fragmentos. que a cada volta que ela deseja dar, seu suor já escorreu por suas costas e seus cabelos envoltos por caracóis já são moldados numa espécie de arrepio. e de tanto dançar, ela encaixa seu quadril na mesma pele com o sol e pega com suas pernas ágeis os raios que ele alcança num debulhar. porque no seu ritmo já existe fogo e por ser fogo, ela não mede o movimento em partes e sim em formas, num esvoaçar de tecidos leves, que de tão leques, afastam num soprar dois corpos penetrantes.



eu acho que a mulher que conheço bem aqui, merece.
eu acho que as mulheres que nem conheço aqui, merecem.

19 outubro 2008

O Francês e o Passarinho

Um homem francês, de cabelo bem feito e roupa bem alfaiatada,
falou na língua bonita que é a francesa:
"L’homme est bon, c’est la société qui le corrompt".
Dicionário e...confusão...!
Me explica então, Senhor Rousseau,
quem corrompeu a sociedade se o homem nasceu sempre bom?
O passarinho preto de peito branco que canta no meu telhado
nasceu bom, mas não o sabe, apenas é.
Porque não há nada que ele possa pensar de ruim.
Se ele come o bichinho na terra, não é porque seja mau,
mas porque essa é simplesmente a sua natureza.
Se eu pensasse que ele é mau por comer minhocas é
porque eu penso, e pensar me faz classificar
as coisas como boas ou más.
E se eu pensasse assim, eu que como outros bichos,
teria de admitir que sou também um ser mau?!
Mas não sou! Ou sou e não o quero ser, ou sou e não o sei!
Pode ser até que eu cause algum mal, e causo...
Mas isso é um causo longo ou é só uma questão de ponto de vista.
Daqui de onde eu vejo, dessa janela com vista pro verde,
o passarinho é bom e eu também.
Daqui eu não penso no quanto os homens podem ser maus
e até brinco de acreditar no filósofo francês...
Mas vem logo outro a me baralhar as idéias:
"L'enfer, c'est les autres".
E o outro para o outro sou eu?
O inferno somos nós mesmos?
Penso, logo complico.
O passarinho preto de peito branco que canta no meu telhado
não pensa nisso e é bom. Não pensa e existe.
E eu que penso, desisto.
O passarinho canta e é bom.
Eu canto!
(-"Comme un oiseau sans cage, libre et sauvage...")

Clarisse Lourenço

17 outubro 2008

Ensina-me



O que eu já sou hoje e o meu tempo amanhã

E soma-se ao meu dia itinerante e febril

Daquele seu modo atemporal e viril

Que faz alçar o mais alto passado em minha mente sã

Ensina-me a querer-te mais que um plural

Ainda por cima desejar-te entre os dentes

Naquela desconjuntura carnal

Fazendo-me de seus olhos a alegria rente

Ensina-me o tudo do seu verso, contudo

Não me escolha num pretérito inconsciente

Mas prepare-se para trazer-me sua vida, o fruto

Com o qual perfeito sabor das suas frases pendentes

Ensina-me a caber em suas mãos leves de toque afável

Para que assim eu saiba caber-te em meu ventre

Pousando-te livre, cabelos e fios, textura ardente

Por entre dedos meus, fazendo-te amar do jeito suportável

Ensina-me as mais diversas obras do mundo

Coloque-se por cima de mim (mostre-me mais um mundo)

Que eu tomarei de calor o que se faz por vir

E terei para lhe entregar qualquer outra parte de mim

Ensina-me o que é feito, para depois me surpreender com o belo

Convivendo comigo entre dias dormidos e noites risadas

Transformando-se em nuvem alta, para a minha pele morena

Num vento brando rodopiando em tempestades armadas

Ensina-me a encontrar-te (a encontra-me), sem luz ou tato

Somente pela boca de uma madrugada finita, inquietante

E além disso, participe dos meus aconchegantes embaraços

E cante aqueles versos que falem de lua e do sol brilhante (é, aquele amante)

Ensina-me o que for, seja isso amor

Ou qualquer outra coisa que possa trazer-me o tal sabor

Ensina-me o que tiver, ou o que quiser

A viver ou a viver, a ceder ou a me render


Ensina-me o que ainda não sabe

E o que cabe, vale, cale...