28 novembro 2007

Pessoa na cama

Sob a luz opaca do abajur, Pessoa me espera na cama. Companheiro inevitável dos dias em chuva. Em Poesias - Heterónimos, uma edição portuguesa muito simpática, vou degustando letrinhas fumegantes e sentindo o cheiro afrodisíaco do papel bege... A paixão faz dessas coisas! E Pessoa - por quem nutro uma paixão anacrônica e por isso mesmo platônica - me convida a explorá-lo noite após noite. Noites sinestésicas e loucas ao lado de um histero-neurastênico que me tenta dizer quem é e quem não é para ver se me faz ver quem sou. Irônico ou paradoxal, eis que cá, neste Café Abstrato, venho contar o que ouvi na última noite fresca, quando Pessoa me trouxe perto o amigo Caeiro, jovem loiro de azulados olhos, campesino com um pouco mais que quase nenhum estudo, corpo mais frágil do que aparenta, simplicidade mais profunda do que se pode perceber… Aconteceu que Caeiro, antes que se me passasse as mãos do sono pelos olhos, disse-me:

“O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar..."

Neste momento pasmo, despi-me de toda psicologia aprendida e aprisionada e deixei-me cair em todas as projeções e identificações e outros "ões" possíveis e patologicamente cabíveis, como bêbada em passos trocados seguindo na direção certa, tão certa que se lúcida, pensando bem, não consigo enxergar.

_Faz favor… um capuccino com biscoitos amanteigados mineiros, enquanto espero Luana…

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